As flores, além de serem lindos presentes em ocasiões especiais, são estruturas altamente complexas responsáveis pela reprodução das plantas com flores e, consequentemente, pela formação de frutos e sementes. A maioria das plantas com flores, conhecidas como angiospermas, são hermafroditas, o que significa que dentro de uma única flor estão as estruturas que produzem óvulos – conhecidas como pistilos – e grãos de pólen – conhecidos como estames. Como resultado, em plantas hermafroditas, há uma maior probabilidade de que o pólen que atinge o pistilo venha da mesma flor e não de flores de outros indivíduos. Este fenômeno, conhecido como autopolinização, acarreta diversos custos reprodutivos que podem diminuir a produção de frutos e sementes, e até mesmo a diversidade genética de suas populações. Apesar disso, as plantas hermafroditas podem empregar diferentes estratégias para promover o transporte de pólen entre flores de diferentes indivíduos, aumentando assim o seu sucesso reprodutivo.
Em uma área de floresta tropical seca no Nordeste do Brasil, a Dra. Elisângela Bezerra e seus colaboradores encontraram uma população de Janusia anisandra (Malpighiaceae) com indivíduos que pareciam possuir dois tipos de flores: algumas com o pistilo dobrado para a esquerda e outras para a direita, sendo uma flor o espelho da outra. Esse sistema floral, conhecido como enantiostilia, já foi relatado para espécies de 20 famílias botânicas que oferecem pólen ou néctar como recompensa aos seus polinizadores, incluindo a família Malpighiaceae. Para surpresa dos pesquisadores, J. anisandra seria o segundo caso de enantiostilia dentro da família Malpighiaceae, mas o primeiro para flores que oferecem óleos como recompensa.

Para descrever esse sistema floral, os pesquisadores estudaram a morfologia floral, a reprodução e os visitantes florais do J. anisandra população. Em seu estudo eles descobriram que assim como a maioria das espécies neotropicais da família Malpighiaceae J. anisandra flores têm cinco pétalas e quatro pares de glândulas produtoras de óleo no cálice, conhecido como elaióforos. Porém, ao caracterizarem as estruturas reprodutivas, encontraram algo surpreendente e até então não registrado em espécies neotropicais desta família.
Em primeiro lugar, as flores de J. anisandra exibia dois conjuntos de estames, quatro pequenos no meio da flor e dois grandes curvados na altura do pistilo. Isso é conhecido como heteranteria, um sistema floral no qual os estames podem variar em forma, tamanho e função. Geralmente, os estames maiores depositam o pólen em locais seguros onde os polinizadores não conseguem limpá-lo, pelo que o pólen destes estames desempenha um papel maior na reprodução das plantas. Por outro lado, os estames menores normalmente depositam pólen em locais onde os polinizadores podem limpá-lo e usá-lo como alimento. Em segundo lugar, como observado anteriormente, cada flor possui um único pistilo, que pode ser dobrado para a esquerda ou para a direita, formando duas formas florais que podem ser encontradas dentro de um mesmo indivíduo, indicando que esta população apresenta o que se conhece como enantiostia monomórfica.
Além disso, os pesquisadores realizaram experimentos de polinização manual, onde retiraram pólen das anteras e depositaram no pistilo da mesma flor ou em flores de indivíduos diferentes, avaliando a capacidade de autopolinização ou polinização cruzada, respectivamente. Eles descobriram que as espécies produziam mais frutos quando realizavam a polinização cruzada com pólen dos estames maiores, ao contrário de quando realizavam a autopolinização. Portanto, os autores sugerem que a enantiostia pode funcionar como uma estratégia eficiente que reduz a autopolinização e promove a polinização cruzada.
Essa possibilidade ficou ainda mais clara quando observaram os visitantes florais e potenciais polinizadores dessas plantas. Os pesquisadores registraram quatro espécies de abelhas do gênero Centris, um grupo conhecido por sua estreita associação com flores produtoras de óleo, já que as fêmeas as utilizam para alimentar suas larvas, construir seus ninhos ou até mesmo servir de alimento para adultos. Porém, devido ao número de visitas e ao contato com as estruturas reprodutivas, consideraram C. fuscata e C. aenea como os principais polinizadores desta população. Segundo suas observações, quando essas abelhas visitavam as flores, os estames maiores entravam em contato com a parte dorsal do corpo, deixando o pólen em locais seguros onde os pistilos também entrariam em contato. O que há de mais interessante nisso é que, como existem duas formas florais, há uma probabilidade maior de que, por exemplo, o pólen de flores com pistilos dobrados para a esquerda alcance pistilos de flores com pistilos dobrados para a direita e vice-versa, promovendo polinização entre os dois morfos.

Por fim, Bezerra e colegas enfatizam que esse novo registro de enantiostilia em flores produtoras de óleo abre espaço para questões fascinantes relacionadas à sua evolução e função nesse grupo de plantas. Isto serve como um excelente exemplo de como as diferentes características observadas nas flores dos nossos jardins, cidades ou florestas podem fazer uma enorme diferença na forma como as plantas se reproduzem. Esperançosamente, da próxima vez que você vir uma flor com uma característica que lhe pareça curiosa ou surpreendente, você poderá se perguntar: como isso influencia sua polinização?
LEIA O ARTIGO:
Bezerra, ELDS, Sabino-Oliveira, AC, & Machado, IC (2023). Janusia anisandra (A. Juss.) Griseb (Malpighiaceae): O primeiro caso de enantiostilia em espécies de flores oleaginosas. Ecologia Austral, 48(7), 1466-1472. https://doi.org/10.1111/aec.13402

Carlos A. Matallana Puerto é um botânico apaixonado pelo estudo da biologia floral e reprodutiva das angiospermas. Sua pesquisa concentra-se na ecologia e evolução dos sistemas de polinização em flores-armadilha.
Versões em espanhol e português de Carlos A. Matallana Puerto.
Imagem da capa de Ana Carolina Sabino-Oliveira.
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