O mutualismo entre plantas e polinizadores é comumente visto como uma bela e benéfica relação entre dois seres vivos. No entanto, vamos ser claros: as plantas apenas desejam que suas flores sejam polinizadas, e os polinizadores estão interessados apenas em coletar recursos, como néctar, pólen e fragrâncias. Esse interesse drivou em uma corrida evolutiva entre plantas e polinizadores, onde cada um busca colocar suas necessidades acima das do outro e obter o maior benefício possível. Como resultado disso, as plantas desenvolveram diversas estratégias de vida e combinações de características para melhorar seu desempenho, incluindo as flores.
Durante seu período de floração, as plantas exibem uma ampla diversidade de estruturas reprodutivas, determinando como e com quais polinizadores elas irão interagir. A partir disso, era de se esperar que com toda a diversidade de características disponíveis, a evolução levaria as plantas a criarem uma flor que pudesse interagir com todos os possíveis polinizadores. No entanto, existem restrições morfológicas e fisiológicas criadas por processos evolutivos e ecológicos que impedem a existência de algo assim.
Por exemplo, certas plantas possuem flores tubulares alongadas que atraem beija-flores de bico longo, enquanto flores com aberturas estreitas limitam as visitas a insetos com probóscides compatíveis, representando assim restrições morfológicas. Adicionalmente, algumas plantas regulam a disponibilidade de néctar ou pólen, oferecendo-os em quantidades limitadas ou liberando-os em momentos específicos, ilustrando assim restrições fisiológicas. Esses conjuntos de características morfológicas e fisiológicas, que favorecem ou impedem a interação entre plantas e determinados polinizadores, são a base das conhecidas "síndromes de polinização".
As síndromes de polinização são evidentes em diversos grupos de polinizadores, incluindo insetos, aves, morcegos e vento. Elas destacam as diversas estratégias evolutivas empregadas pelas plantas para garantir uma reprodução bem-sucedida por meio de interações direcionadas com polinizadores específicos. No entanto, embora várias pesquisas tenham explorado as relações e restrições nos órgãos vegetativos, como folhas e madeira, nosso entendimento dessas associações nos órgãos reprodutivos, particularmente nas flores, continua limitado. Além disso, há uma escassez de conhecimento sobre os efeitos combinados de características reprodutivas na reprodução das plantas.
Essas lacunas têm despertado o interesse de diferentes pesquisadores, incluindo o Dr José B. Lanuza (@barragan_lanuza no Twitter). Lanuza é um pesquisador que estuda as interações entre plantas e polinizadores, e está especialmente interessado em plantas e suas estratégias reprodutivas. Seu interesse por plantas e suas estratégias reprodutivas surgiu durante seu segundo ano de graduação em Biologia, quando ele participou de pesquisas sobre heterostilia, um fenômeno em que a mesma espécie de planta possui flores com pistilos e estiletes de comprimentos diferentes. Desde então, ele continuou pesquisando as estratégias reprodutivas das plantas, especialmente aquelas que promovem a polinização cruzada.
Em uma entrevista com Botany One, Lanuza nos explicou por que sabemos mais sobre características vegetativas do que características reprodutivas. Ele argumenta que as primeiras são mais fáceis de medir, principalmente porque a maioria das espécies de plantas produz flores e frutos somente durante determinadas épocas do ano. Essa limitação de tempo resulta em um volume significativo de trabalho a ser realizado em um curto período. Além disso, as características reprodutivas podem mudar dentro da mesma flor ao longo do tempo, com os órgãos se movendo para posições diferentes à medida que crescem e amadurecem. Isso significa que frequentemente obtemos apenas um retrato e que pode não estar representando completamente a realidade. Somado a isso, os pesquisadores ainda precisam lidar com a imensa variedade de espécies de plantas e a diversidade de estruturas florais, o que dificulta a obtenção de conhecimento sobre as características reprodutivas, especialmente porque cada espécie possui histórias de vida e mecanismos reprodutivos diferentes.
Ciente da falta de informações sobre as características reprodutivas das plantas e de nosso conhecimento sobre como elas moldam as interações com os polinizadores, Lanuza e seus colaboradores conduziram um estudo para identificar as principais características reprodutivas das plantas e avaliar como a covariação dessas características influencia as redes de interações entre plantas e polinizadores em escala global . Quando questionado sobre como surgiu a ideia para esse estudo e qual foi o maior desafio em realizá-lo, Lanuza respondeu que a ideia para o estudo surgiu durante seu doutorado.
Inicialmente, o estudo tinha como objetivo avaliar como a especialização–que disser, a adaptação de plantas e polinizadores, por meio de características físicas e comportamentais específicas– varia ao longo de um gradiente latitudinal. No entanto, o autor questionou por que não incluir as características das plantas, já que essas características poderiam explicar possíveis diferenças nas interações. Ainda assim, para fazer isso, Lanuza e sua equipe tiveram que lidar com um tremendo desafio: a qualidade dos dados. O primeiro obstáculo foi a escassez de informações sobre características reprodutivas em comparação com características vegetativas. Além disso, as características das espécies podem variar de acordo com a região, então não devemos usar dados de regiões muito diferentes da nossa, pois isso pode não refletir a realidade do local de estudo.
Lidar com dados ausentes, padronizá-los e garantir que reflitam a realidade das redes de interação foram algumas das questões que o autor teve que resolver ao analisar cada linha de seu banco de dados final. Por fim, eles conseguiram compilar e analisar dados de 28 estudos realizados em 18 países diferentes, totalizando 64 redes de interação entre plantas e polinizadores.
Os pesquisadores observaram uma correlação entre o número de flores e várias outras características das plantas. Por um lado, plantas mais altas tendiam a produzir mais flores e flores menores, com proporção relativamente menor de óvulos e estiletes mais curtos do que espécies menores e herbáceas. Por exemplo, o corniso-florido (Cornus Flórida) ) é um arbusto que chega a 7.5 metros de altura e produz cerca de 10,000 flores, cada uma com cerca de 3 mm de largura, 3.5 mm de estilete e dois óvulos. Em contraste, a petúnia branca (Petúnia axilaris), é uma erva com altura média de 0.5 m, produz aproximadamente 50 flores por planta, cada uma com mais de 25 mm de largura, estiletes que se estendem até 200 mm de comprimento e mais de XNUMX óvulos por flor.
Além disso, os pesquisadores também observaram que espécies com baixas taxas de autofecundação - ou seja, espécies que recebem mais pólen de outras plantas do que de suas próprias flores - tendem a ter mais flores grandes com estiletes mais longos do que aquelas com altas taxas de autofecundação. Por exemplo, a Zuccagnia punctata é uma espécie autoincompatível que depende totalmente da polinização animal para a produção de sementes. Ela produz cerca de 1500 flores por planta e possui estiletes com 20 mm de comprimento. Por outro lado, a verônica-peregrina (veronica peregrina) é uma planta autocompatível que requer polinização animal mínima ou nenhuma. Ela possui aproximadamente 20 flores por planta, atinge uma altura de 0.2 m e possui estiletes com 0.25 mm de comprimento. Essas observações destacam as relações complexas entre a quantidade de flores, o tamanho, a contagem de óvulos, o comprimento do estilete e os mecanismos de polinização empregados por diferentes espécies de plantas.
Outra descoberta intrigante do estudo foi a associação entre o número de flores e os tipos de polinizadores envolvidos. Plantas com um grande número de flores tendiam a interagir mais com besouros, himenópteros não-abelhas e moscas, enquanto plantas com menos flores tinham uma maior frequência de interações com abelhas e borboletas. Esses resultados ilustram as estratégias evolutivas empregadas pelas plantas em termos de como elas usam recursos para construir flores e atrair polinizadores específicos. As descobertas também sugerem que as abelhas têm uma preferência mais forte por plantas com níveis aumentados de autopolinização autônoma e estiletes maiores, o que pode ser atribuído ao potencial de transferência de pólen mais eficiente e a um risco reduzido de competição por pólen.
A interação complexa entre as estratégias reprodutivas das plantas e os polinizadores destaca a importância de entender essas relações para melhor conservação e manejo dos ecossistemas.
Por fim, quando questionado sobre outras mensagens essenciais além das de seu estudo, Lanuza ressalta que as síndromes de polinização são conceitos abstratos que devem ser usados com cautela, principalmente porque as interações planta-polinizador podem variar de acordo com o contexto. Por exemplo, flores vermelhas na região tropical são geralmente polinizadas por pássaros, enquanto em regiões não tropicais são polinizadas por abelhas. É importante ressaltar que outros fatores estão envolvidos nessa relação, mas as síndromes florais devem ser interpretadas com cautela, pois possuem dimensões complexas.
Lanuza acredita que, antes de responder a novas questões, é fundamental colher mais informações sobre as características reprodutivas das plantas em diferentes localidades, ou seja, fazer mais estudos de campo. Deve-se dar ênfase significativa a características como cor, fenologia e recursos florais, pois muitas vezes foram negligenciadas, tratadas como variáveis categóricas e podem variar em diferentes locais. Com isso, estaremos contribuindo para a obtenção de dados mais precisos e de maior qualidade sobre as características reprodutivas das plantas.
LEIA O ARTIGO
Lanuza, JB, Rader, R., Stavert, J., Kendall, LK, Saunders, ME e Bartomeus, I. (2023) Covariation among reproductive traits in flowering plants shapes their interactions with pollinators. Functional Ecology. https://doi.org/10.1111/1365-2435.14340
Victor HD Silva é um biólogo apaixonado pelos processos que moldam as interações entre plantas e polinizadores. Atualmente, ele está focado em entender como as interações entre plantas e polinizadores são influenciadas pela urbanização e como tornar as áreas verdes urbanas mais favoráveis aos polinizadores. Para obter mais informações, siga-o no Twitter: @outro_VDuarte.
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